As experiências de que participei na adolescência, com meninos camponeses, com meninos urbanos, filhos de operários, com meninos que moravam em córregos, morros, numa época em que vivíamos um pouco longe do Recife. A experiência com eles foi me fazendo habituar com uma forma diferente de pensar e de se expressar, que era exatamente a sintaxe popular. (pag;7)
XXX
Eu chamo de “politicidade da
educação”, as coisas começaram a mudar. No momento em que comecei, através da
prática, a ter práticas que reforçavam para os outros uma opção pelos interesses dos trabalhadores,
ai comecei a ser visto pelos interesses dos trabalhadores, ai comecei a ser
visto como um potencial subversivo.
(pag; 13)
XXX
Era tentando compreender a
linguagem popular e descobrir as palavras mais carregadas de emoção, mais carregadas de sensibilidade,
mais ligada a problemática da área, que a gente elaborava o programa. O ideal
mais adiante fiquei mais radical. O ideal era quando você podia fazer isso com o próprio povo. Era você ter representantes
do povo, dos alfabetizados em áreas populares, ao lado do educador, pesquisando
a sua própria palavra . (pag. 19)
XXX
Nos abre a porta porque somos
cristãos. Em princípio, o Cristão era anticomunista e antimarxista. O marxismo
era propriedade privada dos comunistas,
e a leitura e na Igreja se fazia do marxismo não correspondia as idéias de Marx. Predominava a leitura de um outro
jesuíta, o padre francês Jean Calves, que escreveu uma robusta obra
chamada O Pensamento de Karl Marx, que é
um texto apologético que diz: Marx pensa
isso, porém isso é equivocado, errado, porque não condiz com a doutrina cristã.
Enfim, só a partir de todo aquele processo de fermentação intelectual que se
criou no Brasil nos anos 50 e 60, em busca de uma alternativa. Enfim, só a
partir de todo aquele processo de fermentação
intelectual que se criou no Brasil nos anos 50 e 60, em busca de uma
alternativa ao processo de desenvolvimento brasileiro, é que os cristãos
começaram a superar seu idealismo congênito e a descobrir a visão dialética articulada a vivencia da fé. No
inicio dos anos 60, chegamos a teoria da dependência, influenciados pela
obra de Gunnar Myrdal, que situa o
subdesenvolvimento dos países do terceiro mundo em relação ao progressivo
desenvolvimento do primeiro mundo. Tudo isso vai suscitando uma postura crítica
que lança a pergunta: Quais são as possibilidades reais do desenvolvimento
dentro dessa economia capitalista fortemente dependente e periférica?”. Então
surge a questão de que “não será possível dentro do sistema”. E ai vem o
marxismo com uma explicação mais científica
e mais consistente de como
funcionam as relações de produção dentro do sistema capitalista,
problema do conceito de classes. Tudo isso vai-se abrindo para nós. Houve uma
fermentação e uma aproximação a algumas
categorias –base do marxismo já no trabalho
do Padre Vaz.
Bem não vamos entrar na questão da filosofia, que é bem mais complexa. O
importante é situar isso: que, nesse momento, surge neste Pais uma nova postura
epistemológica, quer dizer, uma nova maneira de pensar o Brasil, de encarar o
Brasil. E sobretudo uma tentativa de aproximação cultural do universo popular.
E essa tentativa se refletiu em todo o processo de criação artística. Todo esse
pessoal do cinema novo, da Bossa Nova surge ai. Assim como tem o MCP no Recife,
havia os Centros de Cultura Popular da UNE no Brasil inteiro, que suscitavam manifestações de arte com um conteúdo prós causas populares. Hoje a gente
tem uma visão mais crítica, sabe que ainda não era o próprio povo manifestando a sua criação
artística, ainda éramos nós
universitários, intelectuais, falando em nome do povo. Por exemplo, a obra de
Oduvaldo Vianna as primeiras peças do Guarnieri refletem bem
isso. Nós interpretávamos a realidade a
partir dos interesses da classe popular. (pag; 28)
XXX
O professor é aquele que sabe,
mas também a idéia de que o aluno é
aquele que não sabe e, para saber depende do professor se ele se dispuser a dar
uma migalha de seu saber aos
alunos...mesmo dando migalhas, a postura é de quem está convencido de que os
alunos jamais vão saber como ele sabe e por isso precisarão sempre das luzes
daquela inteligência suprema.
Este é u dos problemas da
educação popular hoje . Em nome da educação popular, a muita educação
“bancaria” por ai que se “justifica” pela eficácia, pela pressa porque não dá
tempo de se aplicar a metodologia correta ...Então o assessor se apresenta perante o grupo popular e faz suas palestras,
dá seu show intelectual, numa de querer “fazer a velha negativa tradição de que
os trabalhadores, para saberem analisar a conjuntura ou conhecer o que são
modos de produção, devem continuar
dependendo de “quem sabe” , do pequeno burguês que passou pela
faculdade. Nesse ritmo, de assessor intelectual o sujeito acaba dando
diretrizes política, impedindo os trabalhadores de serem protagonistas do
processo histórico... (pag 31)
XXX
Vejo como uma possibilidade, como um desafio,
conseguir encontrar essas chaves de expressão do discurso popular, e sabe utilizá-las
na transmissão de noções e
conhecimento tidos como extremamente
clássicos e acadêmicos e até como inacessíveis. Tive uma experiência na
Nicarágua muito interessante. Consegui, com oitenta camponeses, durante um dia inteiro, fazer a
leitura do texto da “introdução a
crítica da economia política”, do Marx. É onde ele faz um resumo prévio de O capital Ali estão bem condensadas as principais noções do marxismo. E um texto
considerado dificílimo nas faculdades. Pois foi possível num ia de trabalho,
fazer oitenta camponeses nicaragüenses lerem e entenderem esse texto.
Como? Vou contar a receita
pedagógica; primeiro, se leu o texto em grupo. E cada um tentou dizer o que entendeu.
Percebeu –se que entenderam muito pouco. Nem sequer as palavras eram bem
compreendidas. De qualquer maneira, foi um primeiro contato de visualização e
audição do texto. E esse é um dado também importante no saber popular.
Ele é um saber experimental. As
pessoas conhecem o que experimentam, e não o que escutam. Como todo processo de
conhecimento mais intelectual tem que passar por ai.
Depois dessa primeira manipulação
de texto, fiz uma leitura pausada, que chamo “leitura Versicular ”, que é como
se cada frase fosse um versículo, e transformei cada frase numa história. Em torno
de cada conceito do texto do Marx, montei uma história para explicá-lo.
Depois devolvi os grupos e a
leitura ficou mais clara ai fizemos o
teatro. Copiamos em Xerox o dinheiro e dividimos: vocês são os banqueiros;
vocês, os industriais; vocês, os latifundiários ; vocês os empregados. Vocês os
desempregados; vocês, a polícia; você o juiz...
E fizemos a dramatização do
texto, mostrando como se dão as elações
de produção. Os caras que tinham mais dinheiro,no inicio e que queriam
continuar comprando, iam ao banco, pegavam um empréstimo e compravam. Por sua
vez, os pequenos comerciantes também precisavam comprar dos grandes e iam ao
banco, e ia no fim, da brincadeira, o banco estava muito rico, os assalariados
muito pobres, os pequenos pedindo falência ...
Após essa brincadeira, esse jogo,
voltamos a ler o texto. Estava claramente inteligível. Não havia mais
problemas.
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